Análise da Obra
Memórias de Um Sargento de Milícias é uma obra que contrasta com os romances românticos de sua época e possui traços que anunciam a literatura modernista do século XX, por várias razões. Primeiro, por ter como protagonista um herói malandro (Leonardo é o primeiro malandro da literatura brasileira), ou um “anti-herói”, na opinião de alguns críticos. Segundo, pelo tipo especial de nacionalismo que a caracteriza, ao documentar traços específicos da sociedade brasileira do tempo do rei D. João VI, com seus costumes, os comportamentos e os tipos sociais de um estrato médio da sociedade, até então ignorado pela literatura. Terceiro, pelo tom de crônica que dá leveza e aproxima da fala sua linguagem direta, coloquial, irônica e próxima do estilo jornalístico.
O sentido profundo das "Memórias" está ligado ao fato de elas não se enquadrarem em nenhuma das racionalizações ideológicas reinantes na literatura brasileira de então: indianismo, nacionalismo, grandeza, sofrimento, redenção pela dor, pompa do estilo etc. Na sua estrutura mais íntima e na sua visão latente das coisas, elas exprimem a vasta acomodação geral que dissolve os extremos, tira o significado da lei e da ordem, manifesta a penetração recíproca dos grupos e das idéias, das atitudes mais díspares, criando uma espécie de terra-de-ninguém moral, onde a transgressão é apenas um matiz na gama que vem da norma e vai ao crime.
Novela de tom humorístico que faz crônica de costumes do Rio Colonial, na época de D. João VI. O romance reporta-se a uma fase em que se esboçava no país uma estrutura não mais puramente colonial, mas ainda longe do quadro industrial-burguês.
Não há idealização das personagens, mas observação direta e objetiva. Presença de camadas inferiores da população (barbeiros, comadres, parteiras, meirinhos, "saloias", designados pela ocupação que exercem). Os personagens não são heróis nem vilões, praticam o bem e o mal, impulsionados pelas necessidades de sobrevivência (a fome, a ascensão social).Características da Obra
- Linguagem: Jornalismo / Imitação da Oralidade Popular.
- Personagens Populares / Tipos.
- O narrador insere o leitor na narrativa.
- Os comentários do narrador caracterizam o tom de deboche e algumas indicações metalinguísticas.
- A personagem central não é herói nem vilão: anti-herói / malandro. Ausência de moralismo (personagens e narrador);
- Troca do sentimentalismo pelo humorismo;
- A dinâmica social do Rio de Janeiro, no “tempo do rei”, é tratada de maneira mais “realista”.
Personagens
Leonardo ou Leonardinho - o anti-herói ou herói picaresco do romance, vadio, malandro, que adora fazer estripulias e criar problemas. Mulherengo, quase perde seu amor, por ser inconsciente. É criado pelo padrinho, já que os pais se separam e não têm paciência para lhe suportar as traquinagens. Chega a ser preso, torna-se granadeiro e Sargento de Milícias. Casa-se e torna-se assentado.
Luisinha - moça com a qual Leonardo se casa. Em princípio é desengonçada e estranha, depois melhora. Casa-se com José Manuel, por influência da tia, arranjando um marido que só deseja seus bens. É órfã. Fica viúva e une-se a Leonardo.
Vidinha - mulata jovem, bonita e animada, toca viola e canta modinhas. Cativa Leonardo, que vive em sua casa por algum tempo.
O Compadre - barbeiro de profissão, cria Leonardo, protege-o e acaba deixando-lhe uma herança que surrupiou do comandante de um navio.
A Comadre - defende e acompanha Leonardo em qualquer circunstância. Adora o afilhado.
D. Maria - doida por uma demanda judicial, ganha a guarda de Luisinha, quando ela perde os pais.
José Manuel - salafrário e calculista, casa-se com Luisinha por dinheiro e morre.
Major Vidigal - militar que persegue Leonardo, até conseguir integrá-lo às forças milicianas. Calcado em uma figura real.
Leonardo Pataca - pai de Leonardo, acaba casado com Chiquinha, depois que abandona o filho com o compadre.
Maria da Hortaliça - mãe do personagem, portuguesa, trai o Pataca e foge com outro para Portugal.
Chiquinha - casa-se com Leonardo Pataca. É filha da Comadre.
Há ainda, o toma-largura, sua esposa, Maria Regalada, as viúvas
Movimento Literário - Romantismo/Realismo
A obra Memórias de um sargento de milícias é uma obra romântica, que, conseqüentemente, apresenta algumas características típicas do movimento. A obra, porém, é um romance urbano, que desenvolveu temas ligados à vida social. Já a história apresenta os exageros sentimentais comuns à maioria das obras românticas.
Fazendo o uso da ironia, o autor deixa perceber que sua intenção era divertir o leitor com os problemas sociais de sua época.
O livro abandona a linguagem metafórica e a mulher e o amor não são idealizados, como em outras obras pertencentes ao Romantismo. Em algumas partes o autor chega mesmo a ironizar o Romantismo. Por exemplo:
"tratava-se de uma cigana; o Leonardo a vira pouco tempo depois da fuga da Maria, e das cinzas ainda quentes de um amor mal pago nascera outro que também não foi a este respeito melhor aquinhoado; mas o homem era romântico, como se diz hoje, e babão, como se dizia naquele tempo."
Nota-se que, apesar de romântico, ao longo da trama vários aspectos do movimento são criticados, e diversas vezes satirizados. O livro foge à diversas características do estilo romântico, o relacionamento amoroso não é idealizado, Leonardo não se mostra corajoso e íntegro, como nos padrões do herói romântico. Mostra-se vagabundo, irresponsável, um anti-herói. Ele não é um vilão, mas não representa um modelo de comportamento; é uma pessoa comum. O final da história, fugindo do estilo romântico já conhecido com tragédias, Leonardo e Luizinha se casam e vivem felizes para sempre.
Apesar de o livro ter sido escrito no século XIX, época do Romantismo, ele não pode ser classificado como uma obra do Romantismo, e sim como uma obra excêntrica. Os fatos que comprovam que tal obra é excêntrica são a ausência de maniqueísmo e personagens idealizados. Outro fator é a existência de metalinguagem, valor herdado de Machado de Assis, que viveu no Realismo. Por tais motivos, fica inviável classificá-la como uma obra do Romantismo, apesar de ser escrita na época em que tal movimento literário perdia forças e dava espaço ao realismo.