Romance Picaresco

Nos estudos sobre a obra, houve uma linha de interpretação que, seguindo as indicações de Mário de Andrade, e tendo como base o enredo episódico do livro, classificou o romance como uma manifestação tardia do “romance picaresco”, gênero popular espanhol medieval dos séculos XVII e XVIII.

O gênero picaresco – do qual o mais ilustre representante é o romance Lazareto de Tormes – caracteriza-se por narrar, em primeira pessoa, os infortúnios de um pícaro, um garoto inocente e puro que se torna amargo à medida que entra em contato com a dureza das condições de sobrevivência. Por isso procura sempre agradar a seus superiores. O pícaro tem geralmente um destino negativo, acaba por aceitar a mediocridade e acomodar-se na lamentação desiludida, na miséria ou num casamento que não lhe dá prazer algum.

Nenhuma dessas características está presente em Memórias de um Sargento de Milícias.

 Leonardo não é inocente. Ao contrário, parece já ter nascido com “maus bofes”, como afirma a vizinha agourenta. Também não é totalmente abandonado, tendo sempre alguém que toma seu partido e procura favorecê-lo.

Ele ainda desafia seus superiores, como o mestre-de-cerimônias e o Vidigal. Por fim, Leonardo não encontra um destino negativo, pois se casa com o objeto de sua paixão (Luisinha, a sobrinha de dona Maria), acumulando cinco heranças e granjeando uma promoção com o major Vidigal.

Existem, de fato, algumas semelhanças entre Leonardo e os personagens picarescos. Uma é a atitude inconsequente do protagonista, que o leva, por exemplo, a esquecer-se rapidamente de Luisinha ao conhecer Vidinha. Depois, o amor antigo retorna, mas nada dá a entender que não possa acabar novamente. Essas semelhanças, porém, são superficiais, por isso é problemática a classificação de Memórias de um Sargento de Milícias como romance picaresco.

O que se vê é que Manuel Antônio de Almeida foge completamente ao idealismo romântico de sua época. Se há traços românticos em sua obra, eles estão no tom irônico e satírico que assume o narrador.

A conclusão possível é que estamos diante de um novo gênero nacional, que se constrói em torno da figura do malandro, personagem que tem influências popularescas, como Pedro Malasarte; mas é urbano e relaciona- se socialmente com as esferas da ordem e da desordem, já citadas.
É mais apropriado, por isso, classificar essa obra como um “romance malandro”, de cunho satírico e com elementos de fábula. Esse gênero frutificará em vários romances posteriores, como Macunaíma, de Mário de Andrade, e Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade