As Mulheres do Cortiço

 

A estética de Aluísio está repleta de fatos e depoimentos femininos, hábitos estes que são desenvolvidos em habitações populares, os cortiços. Sua narrativa caracteriza o ambiente, preocupando-se com a época e os conflitos que interessam à sociedade, sobretudo pelas camadas mais baixas. Neste ambiente totalmente envolvente, o destaque maior será dado às mulheres. Elas serão abordadas no contexto social fazendo vir à tona a contribuição feminina no processo histórico. A visão da própria realidade visa interpretar e entender as razões, motivos e o caráter das personagens: Bertoleza, Dona Estela, Leónie, Leocádia, Rita Baiana, Piedade de Jesus, Leandra, Ana das Dores, Neném e Augusta Carne-Mole.

 

 

Solteiras

A grande maioria das mulheres populares tinha a própria maneira de pensar e viver. Tinha um linguajar mais solto e menos inibido que o das outras de classe social, e vivia em regime de concubinato, já que os altos custos das despesas matrimonias as levavam a este regime.
Tal atitude representava preconceitos da época, já que a mulher era símbolo de modelo do lar e do marido, enquanto as solteironas eram mulheres perdidas, indignas e perigosas por servirem de descaminho para as “filhas de família”.

Na verdade, o que se propunha no mercado de emprego até então para mulheres de origem humilde e de baixa escolaridade não era muito satisfatório. O que importava era ser jovem e bonita, a prostituição era o que aparecia para muitas destas jovens. Muitas das meretrizes eram casadas ou viviam amasiadas. Suas atividades não eram bem vistas pela moral burguesa e tão pouco pelo marido. Era considerado um modo de vida desvinculado das
normas oficiais.

 

Adúlteras

Dona Estela, personagem de  O Cortiço, traíra seu esposo Miranda. Este, por sua vez, preferia manter-se perante a sociedade, evitando maiores conflitos. “O escândalo do adultério é completado pela degenerescência moral e física de toda a espécie, jogo, doença, cor de pele, libertinagem sexual.” (FONSECA, in PRIORI, 1997, p. 52).
Miranda prefere perdoar a esposa e fingir que nada havia ocorrido, para manter sua postura perante a sociedade
. Outra traição merece destaque: a do pedreiro Jerônimo, que se vê totalmente seduzido e atraído pela mulata Rita Baiana, a quem faz de tudo para mantê-la em seus braços.
Jerônimo trai sua esposa Piedade de Jesus, que lhe tinha total submissão e dedicação. Uma mulher dotada de sensibilidade nos seus mais diversos âmbitos, Piedade, que vivia em dedicação ao marido e ao trabalho no lar, sofre quando Jerônimo a abandona. “A fidelidade obrigatória era impossível de ser mantida pelo homem cuja sexualidade era excessivamente exigente, resvalando a qualquer sedução. Julgava-se dever da esposa a compreensão de tais fraquezas.”

 

 

Lavadeiras

No Cortiço existiam aquelas mulheres que trabalhavam nas tarefas tradicionalmente femininas, eram as lavadeiras. Na obra, podemos destacar: Leandra “a machona”, portuguesa feroz. Tinha duas filhas, uma que era casada e a outra separada do marido.
Ana das Dores, “a das Dores”, morava em uma casinha à parte, mas toda a família habitava o cortiço. Neném era espigada, franzina e forte. Já Augusta Carne-Mole era brasileira, branca e casada com Alexandre, um mulato de quarenta anos, soldado da polícia.
O trabalho destas mulheres pobres era um trabalho honesto, fica evidente que muitas delas eram responsáveis pelo sustento principal da casa. E mais, muitas ficam divididas entre o trabalho fora de casa e ser dona de casa.

 

Subordinada

A personagem Bertoleza se destaca não somente por ser a principal, mas pelo contexto da obra. Vivia “amasiada” com João Romão, que tinha o intuito apenas de se enriquecer com o trabalho de Bertoleza. Esta ainda vivia em estágio de escravidão, já que era totalmente submissa a tal. Eles garantiam a sobrevivência com o trabalho de Bertoleza e João deixava-se sustentar por ela.
Além de tudo isso, João Romão tinha vergonha de Bertoleza, por ser negra. Seu intuito era enriquecer e depois entregá-la ao seu dono, já que era escrava. João queria uma mulher branca e da sociedade. Seus sentimentos com relação a ela eram de pura repugnância. A cena final da obra retrata isso. Nela, Bertoleza, em pleno trabalho descamando peixes é surpreendida por policiais. Denunciada por aquele a quem tanto sempre dedicou trabalho
e sua vida, ela crava a própria faca em seu peito.

 

A Mulher do Cortiço e a Mulher Real

 

Com diferentes personagens e uma narrativa rica, o romance tenta nos mostrar fatos que nos remetem à metrópole moderna de hoje, analisando os valores familiares da sociedade, bem como dinâmicas sociais e padrões de organização familiar da sociedade atual.
Com uma linguagem simples, natural, direta, o autor utiliza imparcialidade e objetividade para ressaltar atos, o destino, o caráter e as motivações dos personagens. A estrutura da obra é basicamente o predomínio dos personagens sobre o enredo. Retrata a realidade destes utilizando um recurso de descrição detalhada do ambiente onde a cena foi ocorrida.
A narrativa dá ênfase à liberdade de expressão das personagens, destacando suas condições
psicológicas e morais.O Cortiço, através de várias mulheres apresentadas, nos remete a uma imitação da vida real, ou seja, temos os assuntos do mundo real de maneira objetiva, documental e fotográfica sem a participação do subjetivismo do artista. Não se tem uma visão demasiada,
ordenada da vida, o que parece artificial, já que a vida possui um ritmo irregular. O romance tenta mostrar as vidas de todas as mulheres que foram destacadas como realmente são, utilizando-se da técnica da observação e documentação.
Nenhuma atitude de tais mulheres apresentadas não é gratuita, há sempre uma explicação lógica e cientificamente aceitável para tais comportamentos. Uma literatura de construção à qual se confundem os sentimentos com os dos personagens. O intuito seria denunciar as desigualdades sociais através de uma pintura verdadeira da vida dos humildes e obscuros, através das várias mulheres que estão habitualmente em torno de nós.
Aluísio Azevedo consegue conduzir o drama das mulheres adúlteras, solteiras, lavadeiras, independentes e subordinadas, fazendo com que o próprio desfecho não pareça arbitrário, mas uma transposição dos casos reais.

Por meio de um contexto político e social, ele tenta nos mostrar o óbvio, com um olhar crítico, ou seja, a miséria escandalosa em que vive boa parte de nossa população.
Pelos valores familiares, destaca também o aumento do número de famílias chefiadas por mulheres, ou seja, relata-nos a autonomia da mulher.