O ROMANCE EXPERIMENTAL (social e de costumes)
"Desistindo de montar um enredo em função de pessoas, Aluísio atinou com a fórmula que se ajustava ao seu talento: ateve-se à seqüência de descrições muito precisas, onde cenas coletivas e tipos psicologicamente primários fazem, no conjunto, do cortiço a personagem mais convincente do nosso romance naturalista." (Prof. Alfredo Bosi).
Aluísio consegue se valer das descrições para caracterizar os personagens e fazê-los parecer de carne e osso, por meio da tessitura articulada e um complexo de acontecimentos e paixões.
Possui estrutura linear e tradicional - princípio, clímax e desfecho.
Todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras. O Cortiço é o núcleo gerador de tudo e foi feito à imagem de seu proprietário, cresce se desenvolve e se transforma com João Romão.
A Força do Sexo
O sexo é, em O Cortiço, força mais degradante que a ambição e a cobiça. A supervalorização do sexo, típica do determinismo biológico e do naturalismo, conduz Aluísio a buscar quase todas as formas de patologia sexual, desde o "acanalhamento" das relações matrimoniais, adultério, prostituição. Observe esta descrição de Rita Baiana, e do fascínio que exercia sobre o português Jerônimo:
"Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui. Ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas de fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras, era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso, era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, e muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras, embambecidas pela saudade de terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro da sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbam em tomo da Rita Baiana o espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca."
O Desfecho do Romance
Delatada por João Romão, os antigos donos de Bertoleza diligenciam para capturar a escrava fugida. Procurada pelos policiais, a negra se suicida.
Observe o exagero da cena, e a ironia do desfecho.
"A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas de peixe, com uma das mãos espalmada no chão e com a outra segurando a faca de cozinha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar. Os policiais, vendo que ela se não despachava, desembainharam os sabres. Bertoleza então, erguendo-se com ímpeto de anta bravia, recuou de um salto, e antes que alguém conseguisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e fundo rasgara o ventre de lado a lodo.
E depois emborcou para frente, rungindo e esfocinhando moribunda numa lameira de sangue.
João Romão fugira até o canto mais escuro do armazém, tapando o rosto com as mãos.
Nesse momento parava à porta da rua uma carruagem. Era uma comissão de abolicionistas que vinha de casaca, trazer-lhe respeitosamente o diploma de sócio benemérito."